Nova Legislação do Mercado de Créditos de Carbono no Brasil
2/4/202510 min ler
Visão geral da nova lei e do SBCE
A nova lei institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de GEE (SBCE), o primeiro mercado regulado de carbono do país. Até então, o Brasil contava apenas com iniciativas voluntárias e mecanismos internacionais para negociação de créditos. Com o SBCE, passa a existir um mercado nacional estruturado, cujo objetivo é incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e estabelecer limites claros para emissões em determinados setores da economia, criando um balcão de negociação de créditos. Em termos simples, funcionará no formato cap-and-trade: o governo fixará um teto de emissões por setor/atividade e distribuirá cotas de emissão (chamadas de Cotas Brasileiras de Emissão, ou CBE para as empresas reguladas. Quem emitir menos do que suas cotas poderá vender o excedente; quem precisar emitir acima do limite terá que comprar cotas adicionais de outra empresa ou adquirir créditos de redução verificada de emissões (CRVEs) de projetos ambientais certificados. Assim, cria-se um incentivo financeiro direto para reduzir a poluição: a emissão de carbono passa a ter um preço, e poluir menos vira um ativo.
O SBCE prevê dois segmentos bem definidos: o mercado regulado e o mercado voluntário. O mercado regulado é aquele em que passa a ser obrigatório cumprir metas de emissão – ele abrange inicialmente as atividades e empresas com maiores emissões. Já o mercado voluntário permanece como uma opção complementar, onde empresas, pessoas ou organizações podem, espontaneamente, negociar créditos de carbono para compensar emissões que não estão sujeitas ao teto regulatório. Importante notar que o agronegócio foi deixado fora do mercado regulado na lei, permanecendo portanto apenas no voluntário (o que significa que propriedades rurais e empresas do setor não serão obrigadas a reduzir ou compensar emissões sob o SBCE neste momento). Essa divisão permite que o Brasil tenha tanto um mercado oficial (para setores com metas obrigatórias) quanto mantenha dinâmico o mercado voluntário existente, que já movimenta projetos de conservação florestal, energia renovável e outros.
A governança do SBCE envolverá um Comitê Interministerial de Mudança do Clima e um órgão gestor central, responsável por regulamentar o funcionamento do mercado e aplicar sanções em caso de infrações. Ou seja, empresas que não cumprirem suas metas ou deixarem de reportar corretamente suas emissões poderão ser penalizadas. A lei determina que o Executivo publique regulamentações complementares detalhando essas regras de governança e operação do mercado. Espera-se que nos próximos meses sejam definidas questões como: quais setores exatamente estarão sujeitos ao SBCE logo de início, qual será o teto de emissões de cada setor, como se dará a distribuição inicial das cotas (gratuitamente ou via leilão), e qual a porcentagem máxima de créditos de projetos que as empresas poderão usar para compensar suas emissões (um ponto importante para garantir integridade ambiental).
Por fim, o mercado regulado será implantado de forma gradual ao longo de seis anos. Isso significa que até 2030 o SBCE deve estar plenamente operacional, mas a entrada das empresas e setores pode ser faseada. Esse cronograma gradativo é positivo para dar tempo de adaptação: as empresas poderão se preparar internamente (inventários de emissões, planos de redução) antes que suas metas obrigatórias entrem em vigor.
Setores abrangidos, exigências e regras do mercado
A lei estabelece que estarão sujeitos ao mercado regulado (SBCE) empreendimentos públicos ou privados que emitam mais de 10 mil toneladas de CO₂ equivalente por ano. Essa faixa abrange as maiores fontes de emissão no Brasil, incluindo setores como: geração de energia elétrica a partir de combustíveis fósseis, indústrias de cimento, aço, química, papel e celulose, mineração e possivelmente transporte (combustíveis). Cada setor terá metas específicas de redução conforme sua participação nas emissões nacionais e potencial de mitigação. Por exemplo, termoelétricas e indústrias pesadas devem enfrentar tetos mais estritos com o passar dos anos, enquanto setores já mais limpos terão metas proporcionais.
Como mencionado, ficam de fora do escopo obrigatório as emissões da agropecuária (pecuária, lavoura, etc.). Isso ocorreu devido à complexidade de mensurar e controlar emissões difusas no campo e também para não onerar de imediato o setor que é estratégico para a economia brasileira. Contudo, vale notar que o agronegócio responde por cerca de 28% das emissões nacionais em 2020 – o que significa que, mesmo não regulado diretamente, ele é parte fundamental da solução climática (como veremos nas oportunidades mais adiante). Outro setor com tratamento especial é o de resíduos e saneamento: pela lei, empresas de tratamento de lixo e efluentes que já adotem tecnologias para capturar e neutralizar suas emissões (como aproveitamento de biogás de aterros) podem ficar isentas de cumprir metas adicionais. Isso evita punir quem já investiu em soluções e encoraja boas práticas voluntárias.
Para as empresas incluídas no SBCE, a principal exigência imediata será elaborar um Plano de Monitoramento de Emissões e reportá-lo ao órgão gestor periodicamente. Inventariar as emissões com precisão é o primeiro passo para participar do mercado – isso envolve instalar medidores, adotar protocolos de cálculo padronizados e possivelmente contratar auditorias para verificar os dados. Além disso, cada empresa precisará, dentro do calendário regulatório, aposentar créditos suficientes para cobrir suas emissões do período (entregando cotas de emissão equivalentes ao CO₂ emitido). Caso não o faça, estará sujeita a multas ou sanções previstas. Em contrapartida, se reduzir mais do que o exigido, poderá ficar com créditos excedentes para venda ou uso futuro. Essa dinâmica de comércio de permissões de emissão garantirá que nunca haja aumento de emissões acima do teto agregado: se uma empresa polui além do limite, outra poluiu aquém e lhe vendeu esta "folga". Com isso, o total setorial permanece controlado.
Uma regra importante é a distinção clara entre créditos usados no SBCE e no mercado voluntário. Créditos voluntários (por exemplo, de um projeto de reflorestamento independente) podem ser negociados livremente, mas, caso sejam convertidos em CRVEs para uso no mercado regulado, deixam de contar na contabilidade de emissões do Brasil (evitando dupla contagem). Ou seja, se uma empresa do SBCE comprar créditos de um projeto voluntário para cumprir sua meta, aquele montante de carbono reduzido ou removido não será reivindicado pelo Brasil em seu inventário nacional. Isso é positivo pois alinha o mercado brasileiro à integridade internacional exigida pelo Acordo de Paris.
Em resumo, a nova legislação traz regras claras: grandes emissores terão metas obrigatórias e precisarão balancear suas emissões com cotas ou créditos; setores difíceis de medir (como agro) ficam isentos por ora; quem já atua voluntariamente em neutralização – caso do setor de resíduos com biogás – é reconhecido. Tudo sob supervisão de um novo arcabouço institucional que dará suporte técnico e fiscalizará.
Impactos e estratégias para as empresas
Para as empresas brasileiras, a regulamentação do mercado de carbono representa um divisor de águas na gestão de suas operações e estratégias de sustentabilidade. Em primeiro lugar, terá um impacto financeiro direto: emitir GEE agora terá um custo mensurável. Empresas que já adotaram eficiências energéticas, fontes renováveis e gestão ambiental eficiente tendem a se sair melhor, pois conseguirão cumprir metas com facilidade e até vender excedentes de cotas caso poluam menos que o permitido. Já aquelas com processos intensivos em carbono enfrentarão novos custos de conformidade, seja investindo para reduzir emissões, seja comprando créditos para compensá-las.
Um benefício colateral é a previsibilidade: com o SBCE, as empresas podem planejar no longo prazo sua rota de descarbonização, sabendo que há um mercado onde podem transacionar seus resultados. Isso facilita a justificativa de investimentos em tecnologia limpa, pois o retorno pode vir não só via economia de energia, mas também na venda de créditos gerados. Por exemplo, uma indústria cimenteira que instalar um sistema de captura de CO₂ poderá vender os créditos de carbono correspondentes à captura, agregando receita nova ao empreendimento.
No curto prazo, espera-se um esforço corporativo grande em compliance ambiental: as empresas terão de aprimorar seus inventários de GEE, possivelmente contratar especialistas ou consultorias, e implementar sistemas de medição e relatório mais robustos. Já no médio prazo, a tendência é de inovação acelerada: para evitar pagar por emissões, as empresas buscarão processos produtivos mais limpos, insumos de menor pegada (por exemplo, usar aço "verde" ou biocombustíveis) e logística otimizada. Quem sair na frente nessas melhorias ganha vantagem competitiva, pois à medida que outros países também endurecem regras de carbono, exportadores brasileiros com produtos de menor emissão incorporada terão acesso preferencial a mercados exigentes. É o caso da já citada UE: uma siderúrgica brasileira que reduziu significativamente suas emissões poderá exportar ao bloco pagando menos tarifa de carbono, ou até mesmo nenhuma, se conseguir comprovar que já pagou esse "preço" internamente.
Outro impacto está no valor de imagem e marca. Empresas alinhadas à nova legislação vão reforçar suas credenciais ESG. Isso é cada vez mais considerado por investidores: fundos de investimento olham para riscos regulatórios e climáticos, de modo que empresas já adequadas ao mercado de carbono tendem a ter melhor avaliação e acesso a capital. Além disso, consumidores e clientes corporativos dão prioridade a fornecedores sustentáveis. Portanto, incorporar metas de emissão já não é só questão de conformidade legal, mas também de estratégia de mercado e reputação.
Vale ressaltar que desafios existem. A efetividade do novo mercado dependerá de regras bem calibradas (um teto muito frouxo pode gerar créditos em excesso e preço baixo; muito apertado pode elevar custos excessivamente e desestimular adesão). Haverá também o desafio de desenvolver rapidamente metodologias nacionais de certificação de projetos (para emitir CRVEs confiáveis) e de integrar plataformas tecnológicas para registro e negociação dos créditos. Órgãos como o Ministério do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Regional estarão envolvidos em criar essas bases. Para as empresas, um possível obstáculo é a falta de conhecimento interno: muitas precisarão capacitar equipes ou contratar especialistas para navegar o mercado de carbono. Entretanto, a perspectiva é que esse esforço seja recompensado na forma de eficiência, inovação e novos negócios.
Oportunidades estratégicas no novo cenário regulatório
Apesar das obrigações criadas, o novo mercado de carbono traz várias oportunidades para companhias dispostas a se adaptar e liderar a transição climática:
Monetização de Reduções e Remoções: Empresas que investirem em redução de emissões além do exigido poderão gerar receitas vendendo suas cotas não usadas ou créditos extras. Por exemplo, uma fábrica que troque sua caldeira a diesel por biomassa poderá ficar carbono-negativa e converter esse excedente em créditos para venda no SBCE ou no mercado voluntário. Isso cria um novo fluxo de receita atrelado à sustentabilidade.
Geração de créditos no agronegócio: Embora o agro não tenha obrigação de compra de créditos, ele pode ser um dos mais beneficiados pela regulamentação. Produtores rurais com áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente bem conservadas podem certificar o carbono estocado nessas matas e emitir créditos para vender a empresas do mercado regulado. Práticas de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), como integração lavoura-pecuária-floresta e recuperação de pastagens, também podem gerar offsets. Com a meta de evitar 1,1 bilhão de tCO₂eq até 2030 no agro brasileiro, o setor se posiciona como fornecedor de créditos para o mundo, transformando sustentabilidade em renda para o produtor.
Inovação e novos mercados: A necessidade de descarbonizar irá impulsionar demandas por soluções inovadoras. Empresas de tecnologia limpa (cleantech) terão um campo fértil: seja desenvolvendo sistemas de monitoramento de emissões, softwares de gestão de créditos, equipamentos de captura de carbono ou fontes alternativas de energia. O Brasil poderá se tornar um polo de inovações climáticas, contando inclusive com aportes internacionais. É esperado também o crescimento de consultorias especializadas e até de verificadoras independentes (auditorias de carbono) para dar suporte à implantação do SBCE.
Mercado financeiro verde: Com a criação de um preço de carbono nacional, abre-se espaço para produtos financeiros associados. Bolsas de valores brasileiras já sinalizam interesse em negociar contratos de carbono. Isso significa que à medida que o mercado evoluir, poderemos ver derivativos de carbono e mecanismos de hedge, permitindo que empresas se protejam de oscilações de preço e investidores incluam carbono em suas carteiras. Conforme apontado pela Equus Capital, o Brasil tem potencial para movimentar US$ 2 bilhões em créditos de carbono na próxima década, atraindo investimentos internacionais e canalizando recursos para projetos sustentáveis locais. Esse montante expressivo sugere que o carbono poderá se tornar uma nova commodity, integrando o mix de exportações e de ativos financeiros brasileiros.
Vantagem competitiva e branding: Empresas que aderirem rapidamente ao novo mercado vão colher vantagens intangíveis mas preciosas. Poderão se posicionar como líderes em sustentabilidade nos seus setores, influenciando padrões e conquistando preferência de clientes. Além disso, ao internalizar cedo um preço interno de carbono em seus projetos (considerando, por exemplo, um custo hipotético de X reais por tonelada nas análises de viabilidade), as empresas vão se preparar para um futuro de restrições maiores, evitando investimentos que poderiam virar ativos ociosos (stranded assets). Essa estratégia já é adotada por multinacionais e agora fará parte da realidade local.
Em suma, a regulamentação do mercado de carbono no Brasil deve incentivar uma corrida pela eficiência e inovação. As empresas capazes de se reinventar com produtos e processos de baixo carbono não apenas vão atender à lei, mas poderão lucrar com ela e fortalecer sua posição no mercado interno e externo. A nova legislação de carbono coloca o Brasil em sintonia com a agenda climática global, abrindo um capítulo promissor para uma economia de baixo carbono. Para as empresas, o recado é claro: antecipe-se. É fundamental iniciar o quanto antes a quantificação de suas emissões, buscar reduções viáveis e avaliar opções de compensação. A adequação à lei não é apenas uma obrigação legal, mas uma oportunidade de modernização e ganho de competitividade – seja pelos novos negócios de carbono, seja pela eficiência operacional e melhor imagem junto a investidores e consumidores. A Carbonova está pronta para auxiliar sua empresa nessa jornada: entre em contato conosco para conhecer soluções de gestão de emissões, projetos de crédito de carbono e estratégias personalizadas para aproveitar ao máximo o novo mercado regulado. Vamos, juntos, transformar desafios climáticos em oportunidades de crescimento sustentável.
